Foi em 2003 que passei a me interessar pelos estudos da psicossomática. Já havia feito, até então, um percurso dentro do campo da saúde mental que passou pelo CAPS-Ilha de Santa Maria, pelo Ambulatório de saúde mental para crianças e adolescentes, no HUCAM e pelo CACIA, que funcionava, então, na UFES, no campus de Goiabeiras.
No início da carreira profissional, lá pelos idos de 1999, minha inserção no campo da saúde, mais especificamente da saúde mental, foi vista com reserva por profissionais da área médica e psi., algo compreensível, visto que questionar conceitos ortodoxos, posturas enrijecidas gera resistências. Foi um grande esforço que os profissionais engajados na luta antimanicomial enfrentaram, mostrar que a saúde mental é um fenômeno complexo e que deve ser trabalhado de forma inter e multidisciplinar. Mas, os tempos foram mudando e, hoje, já foi comprovada a eficácia da expressão pela arte no tratamento tanto das psicoses, quanto das neuroses, bem como na promoção da qualidade de vida.
Agora, imagine uma ferida que esteja infeccionada ao ponto de estar pustulenta, fedida, dolorida, incapacitando o doente para as atividades mais corriqueiras, tirando dele a alegria, a disposição e, muitas vezes, a esperança? É inquestionável que uma ferida desse porte necessite urgentemente de cuidados. Agora, imagine que essa ferida não pode ser vista, e que apenas o doente tem conhecimento dela?
Os males da alma muitas vezes não são nem reconhecidos e muitos menos compreendidos por outrem, mas demandam atenção. A depressão, por exemplo, muitas vezes ignorada, minimizada , tem levando, tragicamente, muitas pessoas a cometer suicídio. Um modelo metodológico físico-naturalista, mecanicista, não dá conta desses fenômenos tão humanos e, o silenciamento do doente amplificava a voz da sua sintomatologia.
Uma abordagem terapêutica humanizada destina-se ao doente e não à doença, e essa mudança de foco tem feito a diferença para muitas pessoas. É na premissa que de para se entender a doença é necessário se entender o enfermo que se apoia o arcabouço teórico e prático da psicossomática. Apenas uma visão integradora permitirá que a as circunstâncias do doente, da doença e a relação dessas instâncias com o mundo seja conhecida.
O Dr. Danilo Perestrello escreveu uma obra basilar para o entendimento dessa nova clínica, ela chama-se "a medicina da pessoa". Essa nova práxis concebe o indivíduo adoecido inserido num contexto histórico, o que torna relevante conhecer a sua história de vida, suas aspirações, projetos e perspectivas.
A interligação entre o psiquismo e a fisiologia da pessoa já foi atestada e os distúrbios psicossomáticos são uma realidade incômoda para a medicina tradicional. Os conflitos internos vivenciados pela pessoa, que muitas vezes se expressam por meio das doenças psicossomáticas, tem um dizer, e esse dizer, pode encontrar uma expressão possível e salutar na linguagem da arte.
Perestrello afirma que "o homem coexiste"; ou seja, ele é um "sistema aberto e em constante interação com o seu meio", o que faz com que o seu adoecimento seja uma manifestação de um desequilíbrio. Vale destacar que a Organização Mundial de Saúde, em 1946, definiu que "saúde" não é a simplesmente a ausência de doença, mas um estado de equilíbrio, um bem estar físico, psíquico, emocional, social e, inclusive, espiritual. A espiritualidade é definida pela OMS como "o conjunto de emoções e convicções de natureza não material" que remete para "o significado da vida" e não se limita à dogmas e religiões.
É grande o desafio dos profissionais de saúde na contemporaneidade, pois, para se ter a compreensão mínima do outro é preciso um estado de abertura e de coragem para o autoconhecimento, é preciso praticar o que prega, o conhecido aforismo grego "conhece a ti mesmo". Para desenvolver uma visão integradora precisa estar preparado para lidar com o seu paciente, compreendê-lo e, especialmente, reconhecer nele um semelhante.
Prof.ª Dr.ª Renata Bomfim