Ansioso por aplacar sua angústia frente à
complexidade do mundo, o homem busca criar definições para tudo, e com a arte
não seria diferente. Eu acredito que a arte não deveria ser definida, visto
que definir significa dar fim, esgotar. Penso que seria melhor a ideia de
refletir, especular, flectir e, a partir desta inclinação, observar mais de
perto as peculiaridades e empregos do termo. A arte se oferece como um espelho
multifacetado para o homem, sendo possível observar e perceber várias
experiências refletidas. Viva e apaixonada, a arte não compete nem com a
ciência e nem com a razão, ela só pode ser explicada por ela mesma e, na sua
complexidade, ela se realiza, sustenta e abre para o social. É um desafio
trabalhar no campo da saúde mental e, igualmente desafiador e instigante é a
relação que se constrói com os pacientes, equipe, comunidade, o que faz valer o
trabalho e renova as forças.
Faz parte da condição humana o
"enlouquecer", sendo que o desafio maior é lidar com pré-conceitos e
estereótipos que retratam o desconhecimento sobre o campo da saúde
mental. O mesmo é verdadeiro para outras doenças. Mas, o ser humano não
pode ser resumido à doença que o acomete e dentro de cada pessoa doente há a
contrapartida da saúde.
O tratamento terapêutico que utiliza a arte como
via privilegiada de expressão tem uma pioneira no Brasil a psiquiatra alagoana
Dra. Nise da Silveira que, em 1946, iniciou um trabalho, que hoje é reconhecido
em todo o mundo, no Hospital Psiquiátrico Pedro II, no Rio de Janeiro. Ela
inseriu, na sessão de terapia ocupacional do hospital, técnicas artísticas como
pintura, modelagem e xilogravura, chamando esta experiência de “Emoção de
Lidar”. Essa ação humanística e inovadora da Dra.. Nise da Silveira atestou que
o paciente psiquiátrico não era afetivamente embotado, ao contrário, era capaz
de produzir e de criar, revelando o seu mundo psíquico, o que produzia melhoras
no seu estado geral. Tive a alegria de estagiar no Museu de Imagens do
Inconsciente, enquanto cursava a especialização em Arteterapia na UCAM do
Centro do Rio de Janeiro, em 2000.
É fato que a arte é uma forma de manifestação
humana, e desde os primórdios da cultura, pessoas interagem com a natureza
plasmando a matéria e comunicando simbolicamente a sua subjetividade. Os
primeiros registros dessa ação do ser sobre a matéria são as pinturas
rupestres, nelas estão representadas cenas do cotidiano, símbolos, deuses
e demônios dos homens primitivos e estas manifestações nos comunicam ainda
hoje, cerca de trinta e cinco mil anos depois, sobre a forma da sua existência
naquela época. Os gregos já utilizavam a expressão pelas artes nos seus
processos de cura. Mas a arteterapia, instituída como tratamento terapêutico,
surgiu há cinquenta anos, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Acerca desta
experiência, o crítico de arte Mário Pedrosa (1947), amigo da Dra. Nise,
escreveu: ”Uma das funções mais poderosas da Arte, descoberta da psicologia
moderna, é a revelação do inconsciente, e este é tão misterioso no normal como
no chamado anormal”. O uso terapêutico da arte tem se difundido em larga escala
no Brasil e no mundo. Na arteterapia os materiais plásticos atuam como veículos
facilitadores da expressão humana. Neste contexto, o “fazer” possibilita a
expressão daquilo que não se permite verbalizar. Através da arteterapia o
indivíduo tem a possibilidade de criar, produzir e lançar um olhar sobre esta
produção, consequentemente, esta prática auxilia na reestruturação da sua
subjetividade.
No espaço arteterapeutico prioriza-se a expressão livre e espontânea e o participante da oficina recebe auxilio técnico, caso o solicite ou sinta necessidade. O prioritário não é a técnica, e sim, a expressão e produção subjetivas. A técnica pode comparecer quando solicitada pelo participante ou, se necessária, para execução de um trabalho específico, não sendo priorizadas questões de ordem estética. A arte contém uma linguagem universal e propicia um canal singular de expressão dos afetos, fantasias e sonhos humanos. Criar para o ser humano é uma necessidade. Dessa forma ele comunica acerca do potencial de uma subjetividade e vivencia a sensação de estar contido num espaço e, de ter outro espaço contido dentro de si. Suas criações revelam suas experiências como indivíduo diante de propostas e valores existentes dentro de sua sociedade. Através dos materiais plásticos começam a surgir possibilidades de que os "não ditos" se expressem simbolicamente e que estes conteúdos possam ser integrados pela consciência. Para que o indivíduo se beneficie terapeuticamente com a arte ele não precisa ter “habilidades artísticas”, nada impede o ser humano de ser acolhido dentro de proposta terapêutica.
Dra. Renata Bomfim
Arteterapeuta e psicossomatista