20/05/2021

A Arteterapia e seus benefícios (Dra. Renata Bomfim)

Obra de paciente do Museu de Imagens do Inconsciente. 

Ansioso por aplacar sua angústia frente à complexidade do mundo, o homem busca criar definições para tudo, e com a arte não seria diferente. Eu acredito que a arte não deveria ser definida, visto que definir significa dar fim, esgotar. Penso que seria melhor a ideia de refletir, especular, flectir e, a partir desta inclinação, observar mais de perto as peculiaridades e empregos do termo. A arte se oferece como um espelho multifacetado para o homem, sendo possível observar e perceber várias experiências refletidas. Viva e apaixonada, a arte não compete nem com a ciência e nem com a razão, ela só pode ser explicada por ela mesma e, na sua complexidade, ela se realiza, sustenta e abre para o social. É um desafio trabalhar no campo da saúde mental e, igualmente desafiador e instigante é a relação que se constrói com os pacientes, equipe, comunidade, o que faz valer o trabalho e renova as forças.

Faz parte da condição humana o "enlouquecer", sendo que o desafio maior é lidar com pré-conceitos e estereótipos que retratam o desconhecimento sobre o campo da saúde mental. O mesmo é verdadeiro para outras doenças. Mas, o ser humano não pode ser resumido à doença que o acomete e dentro de cada pessoa doente há a contrapartida da saúde.

O tratamento terapêutico que utiliza a arte como via privilegiada de expressão tem uma pioneira no Brasil a psiquiatra alagoana Dra. Nise da Silveira que, em 1946, iniciou um trabalho, que hoje é reconhecido em todo o mundo, no Hospital Psiquiátrico Pedro II, no Rio de Janeiro. Ela inseriu, na sessão de terapia ocupacional do hospital, técnicas artísticas como pintura, modelagem e xilogravura, chamando esta experiência de “Emoção de Lidar”. Essa ação humanística e inovadora da Dra.. Nise da Silveira atestou que o paciente psiquiátrico não era afetivamente embotado, ao contrário, era capaz de produzir e de criar, revelando o seu mundo psíquico, o que produzia melhoras no seu estado geral. Tive a alegria de estagiar no Museu de Imagens do Inconsciente, enquanto cursava a especialização em Arteterapia na UCAM do Centro do Rio de Janeiro, em 2000. 

É fato que a arte é uma forma de manifestação humana, e desde os primórdios da cultura, pessoas interagem com a natureza plasmando a matéria e comunicando simbolicamente a sua subjetividade. Os primeiros registros dessa ação do ser sobre a matéria são as pinturas rupestres, nelas estão representadas cenas do cotidiano, símbolos, deuses e demônios dos homens primitivos e estas manifestações nos comunicam ainda hoje, cerca de trinta e cinco mil anos depois, sobre a forma da sua existência naquela época. Os gregos já utilizavam a expressão pelas artes nos seus processos de cura. Mas a arteterapia, instituída como tratamento terapêutico, surgiu há cinquenta anos, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Acerca desta experiência, o crítico de arte Mário Pedrosa (1947), amigo da Dra. Nise, escreveu: ”Uma das funções mais poderosas da Arte, descoberta da psicologia moderna, é a revelação do inconsciente, e este é tão misterioso no normal como no chamado anormal”. O uso terapêutico da arte tem se difundido em larga escala no Brasil e no mundo. Na arteterapia os materiais plásticos atuam como veículos facilitadores da expressão humana. Neste contexto, o “fazer” possibilita a expressão daquilo que não se permite verbalizar. Através da arteterapia o indivíduo tem a possibilidade de criar, produzir e lançar um olhar sobre esta produção, consequentemente, esta prática auxilia na reestruturação da sua subjetividade.

No espaço arteterapeutico prioriza-se a expressão livre e espontânea e o participante da oficina recebe auxilio técnico, caso o solicite ou sinta necessidade. O prioritário não é a técnica, e sim, a expressão e produção subjetivas. A técnica pode comparecer quando solicitada pelo participante ou, se necessária, para execução de um trabalho específico, não sendo priorizadas questões de ordem estética. A arte contém uma linguagem universal e propicia um canal singular de expressão dos afetos, fantasias e sonhos humanos. Criar para o ser humano é uma necessidade. Dessa forma ele comunica acerca do potencial de uma subjetividade e vivencia a sensação de estar contido num espaço e, de ter outro espaço contido dentro de si. Suas criações revelam suas experiências como indivíduo diante de propostas e valores existentes dentro de sua sociedade. Através dos materiais plásticos começam a surgir possibilidades de que os "não ditos" se expressem simbolicamente e que estes conteúdos possam ser integrados pela consciência. Para que o indivíduo se beneficie terapeuticamente com a arte ele não precisa ter “habilidades artísticas”, nada impede o ser humano de ser acolhido dentro de proposta terapêutica. 

Dra. Renata Bomfim

Arteterapeuta e psicossomatista