Na década de 1980 despontou no Brasil um movimento conhecido como “movimento antimanicomial”, que mobilizou familiares, usuários, e trabalhadores da saúde mental, com o intuito de lutar pela criação de uma Política de Saúde Mental Brasileira. Observamos que o desejo, aparentemente utópico na época, de pôr fim aos manicômios e construir novas formas de atenção para os portadores de saúde mental, se tornou uma realidade. Nesse novo milênio as formas de cuidado à saúde vêm sendo estrategicamente direcionadas para a reinserção psicossocial. Os usuários dos serviços de saúde mental, antes asilados, destituídos de direitos e privados do exercício de sua cidadania, passaram a ter suas vozes ouvidas, e a participar ativamente da rede de políticas públicas. Variadas experiências exitosas contribuíram para com a construção dessa nova clínica em saúde mental, e uma delas foi a inserção da arte no processo terapêutico.
Os Portadores de transtorno mental grave podem contar, na atualidade, com serviços como os CAPS I, II, III, CAPS álcool e drogas, CAPSad e infanto-juvenil CAPSi. Os CAPS III e os CAPSad III funcionam 24 horas. As conquistas descritas no campo da saúde mental não seriam possíveis, também, sem a criação de leis que assegurassem os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais graves, tais direitos foram extensivos aos transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas. Segundo Keer-Corrêa e Maximiano (2013):
A política de saúde mental compartilha com as práticas de redução de danos e com a tradição da ética médica o mesmo princípio fundamental. Qual seja: que acima de qualquer juízo sobre comportamentos e crenças de usuários de drogas e/ou pacientes, deve estar a defesa da vida e o direito à saúde. Essa é a finalidade última do cuidado clínico ao usuário/paciente (KEER-CORRÊA; MAXIMIANO, 2013, p. 24).
As conquistas da luta antimanicomial foram sentidas pelos movimentos relacionados ao cuidado e tratamento do dependente químico. Entretanto, vale ressaltar que as comunidades terapêuticas, embora tenham se beneficiado com o movimento da luta antimanicomial, não derivam deste, antes, têm a sua origem nos Estados Unidos, na segunda metade do século XX. Dessa forma, estamos diante de uma forma singular de cuidado que possui historicidade própria: as CTs.
As CTs, como as conhecemos hoje, tem o germe de sua origem no trabalho desenvolvido pelo ministro luterano americano Frank Buchman, um dos pioneiros no tratamento da dependência química no modelo comunitário. Buchman fundou a First Century Christian Felowship, organização religiosa que pregava um retorno à inocência da igreja cristã primitiva, e que entendia que os transtornos mentais e o alcoolismo eram sinais de “destruição espiritual”. Norteavam as práticas da First Century Christian Felowship, “a ética do trabalho, o cuidado mútuo, a orientação partilhada, e os valores religiosos da honestidade, da pureza, do altruísmo e do amor, o autoexame, a reparação, e o trabalho conjunto”. (KEER-CORRÊA; MAXIMIANO, 2013, p. 39). Posteriormente surgiu, na Escócia, o termo “comunidade terapêutica”, criado pelo psiquiatra Maxwell Jones. Às práticas criadas por Buchman, Jones acrescentou a humanização da equipe cuidadora, Buscando novas formas de ajudar os seus pacientes, o psiquiatra procurou desmistificar a autoridade dos profissionais, com o intuito de diminuir as resistências ao tratamento e aproximar os cuidadores daqueles que necessitavam de cuidado. Maxwell Jones é reconhecido como “precursor do conceito fundamental de comunidade como método de tratamento de substâncias psicoativas” (KEER-CORRÊA; MAXIMIANO, 2013, p. 40). À abordagem de mutua ajuda, foram agregadas novas abordagens como a motivacional e a prevenção de recaída. Em 1959, na Califórnia, Estados Unidos, Charles (Chuck) Dederich deu início do programa Synanon a partir das experiências vivenciadas no movimento alcoólicos anônimos[1](AA). A Comunidade terapêutica Synanon, além das vertentes espiritual e filosófica, integrou no seu programa os doze passos e as doze tradições, bem como as abordagens terapêuticas e filosóficas vigentes na época, como o existencialismo e a psicanálise. Nesse modelo o objetivo era, além de manter a pessoa sóbria, levá-la a mudar de vida. Foi buscando afastar as pessoas em tratamento, das influências que as levavam ao consumo de drogas, que o Synanon passou a oferecer acolhimento em ambiente residencial de 24 horas. Surgiram a partir daí novas CTs com programas mais articulados, como a CT Daytop Village, em 1963. Os modelos surgidos na América do Norte foram transplantados para a Europa, América Latina, África e Ásia, e grande parte desses tinham como modelo o Programa Synanon, e se desenvolveram com a participação de líderes comunitários, membros do clero, políticos e profissionais de saúde. Segundo Keer-Corrêa e Maximiano (2013, p. 41), as gerações subsequentes de CTs conservaram muito dos elementos propostos pela Synanon, entretanto, variadas alterações foram se processando, e dando forma a modelos diferenciados de CTs.
Observamos que as CTs, na sua nascente, apresentaram flexibilidade nas suas propostas, o que facilitou com que na década de 1970, elas se multiplicassem sem qualquer tipo de regulamento. A precariedade de algumas comunidades indicou para a necessidade de se estabelecer padrões básicos de funcionamento. Em 2001, a Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), adotou a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 101, regulamento técnico para as comunidades terapêuticas. Nesse mesmo ano, 2001, a Secretaria Nacional sobre Drogas (SENAD) realinhou a política vigente no país, surgiram daí novas Resoluções, como a RDC nº 3, de 2005.
O ano de 2011 foi importante para o movimento das CTs, pois, variados movimentos se uniram para apoiá-las, e para estabelecer diretrizes comuns para o funcionamento das mesmas, nesse ano a ANVISA estabeleceu a RDC 29, vigente até hoje, que regulamenta as atividades das comunidades terapêuticas.
Dra. Renata Bomfim
[1]Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço, em 1931, tratou por meio da psicanálise de um alcoolista, Roland Hazard, banqueiro americano. Não alcançando os resultados satisfatórios, sugeriu que esse buscasse uma “experiência religiosa”. Roland, então, buscou apoio em um movimento evangélico (o Oxford Group) e conseguiu se livrar de sua dependência. Então, dentro do Oxford Group, surgiu um subgrupo de alcoolistas que, posteriormente, fundou os alcoólicos anônimos (AA), em Akron, Ohio, 1935. As raízes religiosas continuam presentes, desde então, nesse movimento de tratamento à dependência. O “AA” cresceu rapidamente e estima-se que exista hoje 98.710 grupos em 1.989.124 membros, em 150 países diferentes. No Brasil, há cerca de 6.000 grupos com 121.000 membros. Hoje, o grupo que mais cresce é o “NA”, Narcóticos anônimos, o grupo possui mais de 300.000 membros. O Brasil tem aproximadamente 15.000 membros (Sistema para detecção do uso abusivo e dependência de substâncias Psicoativas: Encaminhamento, intervenção breve, Reinserção social e Acompanhamento /SUPERA, 2001-b, p. 21)