A questão da drogadicção respondeu, durante muito tempo, ao paradigma dualista cartesiano, que dividiu mente e corpo colocando-os como unidades que funcionam separadamente. Essa dicotomia perpassou, e infelizmente ainda subsiste, em variados campos do saber, especialmente dos relacionados à saúde. Uma breve visada histórica nos permitiu ver que o uso de substâncias psicoativas se perde no tempo, essa é, também, uma prática que responde a diversos interesses e motivações. A variação do uso das SPA, sempre variaram de acordo com a cultura, a religiões, a concepção de medicina e cuidado, de prazer, entretanto, a concepção de dependência química emergiu na modernidade, assim como a noção de “vício” que, segundo o texto Álcool e outras drogas: da coersão à coesão, vincula-se irremediavelmente ao “mal estar da civilização contemporânea”, que caracteriza
uma época mercantil e industrial capitalista, na qual a compulsividade se tornou a regra, com uma incitação ao consumo excessivo, de drogas, de alimentos e de outras condutas passíveis de excessos, como o jogo, o uso de TV e computadores e até mesmo o uso obsessivo de celulares, por meio da promoção sistemática do consumismo pela propaganda. O resultado é uma crise civilizatória, produzindo comportamentos aditivos (que criam dependência) em relação a objetos e bens de consumo (2014, p. 26).
Como afirmei anteriormente, o campo da dependência química é complexo, demandando, portanto, ações compartilhadas geradas a partir de variados campos do saber humano. Durante muito tempo a questão da drogadicção respondeu ao paradigma dualista cartesiano que dividiu mente e corpo, colocando-os como unidades que funcionam separadamente. Essa dicotomia perpassou marcou, especialmente, os serviços relacionados à saúde. Se por um lado, a contemporaneidade produz comportamentos aditivos, por outro, as reflexões geradas a partir de múltiplas experiências criticam essa racionalidade e ensaiam movimentos de mudança. A ideia de saúde se ampliou, hoje ela é vista pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um estado de equilíbrio Biopsicossocial.
As equipes profissionais têm reconhecido a importância das abordagens que consideram o ser humano na sua totalidade, e buscado articular ações que inter-relacionem as partes psíquica, física, social e espiritual, dos usuários dos serviços de saúde, propiciando situações de cuidado que os respeite na sua integridade e cidadania. Essas mudanças já podem ser sentidas, e os profissionais que se empenham em construir esse cuidado que se concretiza através de redes, estão atentos para que os serviços promovam a pessoa e não a doença, bem como, para que estigmas e preconceitos não sejam perpetuados. A nova forma de acolhimento e cuidado para o qual caminhamos, lançam mãos de variados recursos para que fenômenos humanos como a angústia, a depressão, o sentimento de solidão e desamparo, a loucura, e as doenças psicossomáticas, se tornem um dizer (em variadas linguagens), direcionado à saúde e não a doença.
Acreditamos que as oficinas terapêuticas podem integrar essas ações terapêuticas de cuidado, contribuindo para com o tratamento das pessoas com dependência química. Essa posição é corroborada pela SENAD que, no volume quinto do Sistema para detecção do uso abusivo e dependência de substâncias psicoativas: encaminhamento, intervenção breve, reinserção social e acompanhamento/ SUPERA (2011, p. 9) diz:
A capacidade de utilizar várias técnicas combinadas e uma boa dose de criatividade são fundamentais para o correto atendimento destes pacientes (dependentes de drogas), além de um conhecimento teórico sólido. [Dessa maneira, as intervenções terapêuticas visam] modificar pensamentos, sentimentos e comportamentos-problemas, criando um novo entendimento dos pensamentos e sensações responsável pela dificuldade ou problema observado. O clima de apoio e respeito permite ao paciente executar, com a participação deste, as mudanças necessárias para um reequilíbrio de sua vida sem a necessidade de utilizar drogas (2011-b, p. 10).
Nas práxis das oficinas terapêuticas, variadas técnicas contribuem para o entendimento dos processos criativos e motivacionais dos participantes. Assim como bem destacaram Miller e Rollnick (2011, p. XII) na obra Entrevista Motivacional, no campo terapêutico “nada funciona para todo mundo”, é por isso que diferentes estratégias contribuem para com a adesão do paciente ao tratamento.
Dra. Renata Bomfim