A videoterapia é uma atividade lúdica terapêutica (ALT).
A RDC 29, de 2011, no capítulo II, Sessão I, que trata das condições organizacionais das CTs, determina que essas devem oferecer nos seus planos de atividades as “Atividades Lúdicas Terapêuticas (ALT)”. Tendo em vista esse direcionamento, e levando em consideração que a videoterapia é uma atividade que tem potencial para promover “o conhecimento sobre a dependência de substâncias psicoativas” (Art. 7/V) e promover o “desenvolvimento interior” (Art. 7/VI) por fomentar a reflexão, organizei esse manual para orientar técnico e gestores de CTs, pretendendo que as ideias nele contidas, sirvam como geradoras de novas ideias.
AS NOVAS TECNOLOGIAS
As novas tecnologias, adequadamente orientadas, são opções lúdica e eficazes de intervenção terapêutica. A linguagem audiovisual, oportunizada aos acolhidos por meio da videoterapia, além de ampliar e diversificar o portfólio de atividades da CT, une os acolhidos em torno de temas e trabalhos variados.
Filmes, propagandas, curta metragens, entre outros, podem se tornar instrumentos de fomento doautoconhecimento, seja a partir da produção experimental de vídeos, fotos, gravação de som realizados pelos acolhidos, quanto pela exibição de obras prontas. Esses trabalhos audiovisuais encontram complemento nas linguagens verbal, gestual e escrita.
A televisão, o cinema e o vídeo desempenham um papel educacional relevante, passando informações, mostrando modelos de comportamento. Entretanto, o processo de aprendizagem demanda que a pessoa tenha senso crítico, e saiba julgar, segundo os seus valores, o que lhe é relevante e o que não é.
A linguagem audiovisual possui uma força adicional, ela chega simultaneamente por muitos mais caminhos do que, conscientemente percebemos, ou seja, consegue dizer muito mais do que captamos, encontrando dentro de nós uma repercussão em imagens básicas, centrais, simbólicas, arquetípicas, com as quais nos identificamos ou que se relacionam conosco de alguma forma.
A sociedade contemporânea é caracterizada pela multiplicidade de linguagens e por uma forte influência dos meios de comunicação. Aspectos formais, estéticos e culturais podem ser captados pelo grupo quando esse assiste a um filme de qualidade. Temáticas abordadas pelo filme podem ir ao encontro ao encontro das vivencia individual de cada participante, tangenciando seus aspectos cognitivos, sociais e, particularmente, psicológicos e emocionais.
A VIDEOTERAPIA
Para ser considerada “videoterapia”, a apresentação de um vídeo precisa observar algumas questões importantes, e deve levar em conta que a atividade deve contar com um mediador.
A ALT intitulada videoterapia, se caracterizada pela exibição de vídeos selecionados (filmes, curtas, documentários, propagandas, entre outros) que devem mobilizar os participantes em torno de questões relevantes para o tratamento, potencializando a ressocialização dos mesmos.
O vídeo não deve ser utilizado como mero ocupador de tempo, bem como a sua exibição, sem a devida problematização, compromete o seu caráter didático.
O vídeo deve estar inserido dentro do contexto do tratamento, ou seja, deve servir de mote para que alguns assuntos pertinentes ao grupo sejam trabalhados. Essa é uma ferramenta de trabalho que não deve ser banalizada. A exibição exagerada de vídeos prejudica a recepção deste como evento, dessa maneira, ele deve ser intercalado com outras atividades lúdicas.
BENEFÍCIOS DA VIDEOTERAPIA
A videoterapia abre espaço para que o dependente químico em recuperação reflita sobre variados assuntos, bem como sobre aspectos da sua vida.
Essa atividade também é útil para introduzir temáticas nos grupos, questões indenitárias, de gênero, étnicas, pontos de vista e posicionamento frentes às questões a propostas pela vida social e pessoal, a reavaliação de valores e comportamentos, especialmente porque parte do concreto, do visível, do imediato, do próximo que toca todos os sentidos.
As imagens projetadas permitem a experimentação sensorial de um outro mundo (o da ficção), por meio da exploração de olhares, cenários, situações diversas, cores, espaços, situações de equilíbrio-desequilíbrio. O papel dos desenvolvido pelos variados personagens, apresentam comportamentos, atitudes, quietudes e inquietações que podem evocar lembranças e suscitar expectativas.
A alternância entre as narrativas e os silêncios ressoa dentro do expectador gerando novas narrativas e silêncios.
O vídeo mescla as linguagens visual, falada, musical e escrita, ele é sensorial. Superpostas, essas diferentes linguagens interagem e interligam, atingindo os sentidos de variadas maneiras. Dessa maneira, o vídeo:
· Informa,
· Entretém,
· Seduz,
· Desperta/inquieta
· Acalenta/ conforta,
· Desperta atitudes e expectativas.
Na videoterapia há o exercício constante da imaginação e
da afetividade, sendo propício para introduzir um novo assunto,
para despertar a curiosidade, e motivar para novos temas.
COMO ESCOLHER O VÍDEO?
Há uma profusão de vídeos à disposição, mas qual será o mais adequado para a videoterapia? Algumas perguntas podem direcionar a escolha do vídeo mais adequado para uma determinada atividade.
Quais práticas sociais podem ser identificadas no vídeo? |
Qual a relação da obra com o cotidiano? |
O vídeo tem finalidades educativas? De entretenimento? |
O vídeo foi produzido para informar, motivar, ilustrar, sensibilizar? |
Quais os cenários e contextos se apresentam? |
Existem práticas sociais preconceituosas? Emancipatórias? Contraditórias? E as atitudes, comportamentos e valores sociais, |
Como se dá a relação interpessoal entre os personagens? Como essas relações se desenrolam e são tratadas? |
Há erros conceituais? Confirma alguma teoria? Ilustra ou exemplifica algum fato? |
O tema é adequado para o grupo em questão? |
Estimula a curiosidade sobre um tema? |
O que o vídeo valoriza? |
Um vídeo pode ser utilizado em função de seu valor histórico, servindo como mote para discursões dos posicionamentos políticos e ideológicos, podem apresentar conteúdos que os irmanam com a matemática, a literatura, a poesia, as artes em geral, alimentando questionamentos, provocando, sacudindo, promovendo a mudança de olhares, opiniões, comportamentos.
A relação entre o grupo e o mediador também é fundamental,
esse se torna mediador do processo, instigando,
incentivando e valorizando o potencial das pessoas.
Variadas atividades podem fazer parte da videoterapia. Um profissional pode ser convidado para falar sobre um assunto depois da exibição, ou o grupo pode destacar o que gosta, concorda ou discorda do filme, o que aprendeu, o que sentiu, etc., registrando tais impressões nas oficinas de pintura, desenho, teatro, música, entre outras.
COMO COMEÇAR A TRABALHAR COM A VIDEOTERAPIA?
Existem filmes de temáticas mais simples e mais complexas, aconselha-se começar com vídeos mais simples do ponto de vista técnico, e que estejam alinhados com as propostas temáticas a serem trabalhadas.
Antes da exibição do vídeo o mediador da videoterapia
deve informar ao grupo sobre o seu teor.
Deve ser exposto ao grupo o nome do autor da obra que gerou o filme (caso seja a adaptação de um livro ou peça de teatro), duração do vídeo, se ganhou algum prêmio, etc. Não deve haver prejulgamento antes da exibição, para que os participantes façam livremente as suas leituras. O mediador deve conhecer o vídeo. Os membros do grupo devem ser alertados para que prestem atenção naquilo que mais lhe chamar atenção no filme (uma cena, um personagem, um lugar, um diálogo, etc.), ele pode ser, também, aconselhado a anotar tais impressões. Caso haja necessidade, o mediador pode fazer um breve comentário apresentando o filme, e durante a exibição, pode fazer algumas pausas (PAUSE) para comentários, mas não deve se demorar nelas. O mediador deve estar atento as reações do grupo, às suas falas e comentários durante o filme. Se o vídeo for complexo ele pode ser exibido uma outra vez, ou uma determinada cena pode ser reapresentada.
A trilha musical, os diálogos e situações; as músicas,
os efeitos, as frases proferidas, são elementos
importantes que podem ser destacados e comentados
após a apresentação.
O mediador da videoterapia não deve ser o primeiro a exprimir opinião, finalizada a exibição ele deve abrir espaço para que os acolhidos comentarem suas impressões. Vale cuidar para que ninguém monopolize a discussão, a oportunidade de fala deve ser igualitária no grupo.
Os planos ideal e real devem ser observados, não se deve perder de vista que uma obra de arte é uma visão sobre algum assunto, e que existem múltiplos pontos de vista, e que esses devem ser respeitados.
Ao final da discussão, o mediador deve fazer uma síntese sobre o que foi falado, destacando algo que foi relevante durante o encontro.
Como destacado anteriormente, após a exibição do filme, o mediador pode pedir que os membros do grupo façam um desenho, um texto, ou outra representação artística inspirada em algo do filme, e quando finalizada essa tarefa, quem desejar pode falar sobre o filme relacionando-o a sua produção.
Informações podem ser adicionadas ao filme, dados históricos, curiosidades, diálogos dessa obra com outras obras.
Podem ser listados pelos participantes os dados que consideraram negativos e/ou positivos no filme, uma nova história pode ser construída em grupo a partir da história do filme, ou um novo final pode ser escrito pelos membros do grupo. O que vocês mudariam nesse filme, pode propor o mediador, ou que acrescentariam?
Dra. Renata Bomfim